Peripécias amorosas e travessuras fantásticas da pequena Ana Alice.
Um conto já orgulhosamente publicado no blog
Neuronio Descontrol.
Pra ler ou reler...
Sacanagem. A mais pura sacanagem. Deixar uma garota esperando por quarenta minutos em um pub esfumaçado era demais. O filho da puta tinha furado de novo. Pudera, “vou ver se dá...” não quer dizer “vou estar lá...” (até rima, mas não é a mesma coisa). A moça ali é que tinha dado uma de otária novamente. Mas é a última vez, esta foi a última vez...
Aquelas duas meninas na mesa ao lado já estavam no segundo charuto. Pareciam estar felizes no meio do fumacê. Nunca tinha fumado antes mas de repente aquilo não pareceu uma má idéia. Será que elas tinham os mesmos problemas que ela? Talvez sim, mas não naquele momento; e talvez os problemas delas não fossem propriamente com meninos. Meninos, rapazes, caras, homens, esse era o fardo dela. Mas, naquela altura do campeonato, já começava a pensar seriamente se o problema, na verdade, não era ela.
Afinal, uma moça criada, com 24 anos nas costas, CPF, PIS e PASEP, sentada ali sozinha, girando o gelo no copo vazio de Coca com seu dedo indicador, só podia ser muito da problemática. Para piorar, a porra daquele All Black ainda era super iluminado. Todo mundo podia vê-la ali naquela situação constrangedora. Quem mandou ela escolher aquele lugar? Já devia ter imaginado...Bom, pelo menos a música era boa. Tão boa que, dependendo do que aquele negão tocasse, era até arriscado ela chorar. Esse era o problema. Ela já estava começando a ficar encanada com aquilo. Com aquela situação toda, com a merda da sua vida. Não, não era realmente aquele tipo de atitude derrotista que ela esperava dela. Mas era a porra do que ela estava sentindo.
Abaixou a cabeça por um segundo. Já deu, vou embora. Levantou o olhar, garçon, sumiram todos os garçons?? Foi então que, de relance, ela viu aquele homenzinho pequeno e gordo, escondido debaixo da escada. Discretamente ele curvou-se, até conseguir fitá-la nos olhos. Ana Alice se assustou e desviou o olhar. Mas não dava pra resistir, olhou de novo. E lá estava ele, agora já ao seu lado, com sua calvície reluzente e seu corpanzil de 1,10m de altura coberto com uma capa vermelha. Caralho, acho que tinham colocado vodka na sua Coca...
Tinham colocado vodka na sua Coca mesmo. Aquilo só podia ser uma alucinação causada pelo stress da situação. Mas ele estava ali, na sua frente, e apesar do sorriso meigo e do porte nada assustador daquele homenzinho, a expressão de Ana era uma mistura de espanto e terror.
- Me-Me-Mestre dos Magos??
- Dos Magos Mestre eu ser. Chapeuzinho Vermelho é que ser não vou...
- De-desculpe meu senhor... Desculpe mas hoje não estou muito pra brincadeiras - Faustão. Aquele filho da puta tinha deixado ela esperando pra armar uma pegadinha do Faustão.
- Brincadeira eu não sou. Vim te ajudar eu...
O homenzinho tinha razão. Armar uma pegadinha do Faustão devia dar muito trabalho e aquele furão miserável vagabundo não dava tanta importância pra ela assim. Parecia mesmo improvável. Mas Mestre dos Magos??
- Ah,.ah... Então tá então... Mestre dos Magos... - Já que não estava entendendo nada, aquela risadinha blasé parecia ser tudo que ela tinha pra oferecer no momento.
- Mal você está, Ana. Te ajudar eu vim. Você a Força procurar deve...
- Ei, espera aí... Tudo bem, devo ter bebido mesmo, mas tem alguma coisa errada aí... Ainda me lembro que o Mestre dos Magos falava usando um monte de metáforas. Quem falava desse jeito estranho aí era aquele outro baixinho, do Guerra nas Estrelas, o, o...
- Mestre Yoda...
- Isso!! Mestre Yoda!
- Err... desculpe, minha cara Ana... É que ando meio fraco de metáforas atualmente. Sabe como é, bloqueio criativo... Além do mais, não me custa pegar uma caroninha em toda essa onda publicitária em cima da volta dos Jedis. Você não sabe como o mercado de personagens mitológicos anda concorrido...
- É, realmente não faço a menor idéia.
- Desculpe, não queria te incomodar com meus problemas. Aliás, eu sei que problemas você já tem demais...
- Ah, é mesmo? E, aliás, os meus problemas são isso mesmo, meus problemas...
- Tens toda razão, Ana Alice.
Aquilo era mesmo surreal. Um homenzinho e sua capa vermelha saindo debaixo da escada de um pub e querendo se meter na vida dela. Será o Benedito? Ela não merecia aquilo... Mas não é que ele parecia o Mestre dos Magos mesmo? De repente ela percebeu que já faziam 15 minutos que ela não pensava naquele furão filho da puta. E que aquele carinha bonachão na sua frente não podia oferecer tanto perigo.
- Desculpe, não quis ser grossa...
- Sem problema, Ana.
- Senta aí, puxa uma cadeira - ela sentiu uma certa estranheza ao dizer aquilo, olhou ao redor, mas ninguém parecia estar reparando, nem mesmo sequer olhando para aquela cena estapafúrdia.
- Obrigado, disse ele esforçando-se para escalar a cadeira.
- Já deu pro senhor perceber que meu humor não está fácil hoje.
- O Senhor está no céu, Ana. Me chame de Mestre, já está bom... E realmente, seu humor está deveras afetado esta noite. Mas eu compreendo, eu sei que a vida te colocou numa situação realmente embaraçosa...
- Ah é, você sabe... Aliás, até meu nome você sabe...
- Eu sou o Mestre dos Magos, Ana. Eu tenho que saber...
- Tá bom, senhor sabe-tudo... Então me responda uma perguntinha: onde eu me encaixo nesta sua poderosa onisciência? Que que eu tenho a ver contigo??
- Você está me decepcionando, Ana...
- Eu?!
- Caramba, se você me permite esse semi-palavrão, pelo jeito as coisas estão piores que eu imaginava. Nunca pensei que seria esquecido tão depressa, principalmente por gente da sua geração.
- Ora, eu me lembro bem de você, Mestre.
- Pelo jeito você só se lembra da minha capa vermelha e da minha semi-calvície...
- Careca...
- Tá, careca... Mas só disso...
- Lembro também que você andava junto com aqueles pivetes perdidos, lembro daquele unicórnio pentelho e lembro também daquele seu inimigo, o Darth Vader...
- Viu, já se confundiu. Essa é outra estória, Ana!
- Putz, é mesmo... Mas era alguma coisa parecida, não era?
- Tá bom, acho que estamos chegando lá.
- Chegando aonde? Ainda não entendi o que eu tenho a ver com tudo isso...
- Olha só Ana, deixa eu te dar uma dica: você deve se recordar que eu não estava sempre com aquele bando de pivetes, errr, garotos. Só de vez em quando...
- Isso!! Você aparecia do nada, como você fez aqui, geralmente sempre quando a situação ficava preta...
- Como está aqui...
- É, como está aqui - Ana olhou pro copo vazio e se lembrou do filho da puta - e me lembro também que você dava umas dicas malucas e ninguém entendia lhufas. Nem chegava a ajudar muito...
- Isso já é intriga da oposição, disse o Mestre meio como perdendo a paciência - O fato é que pra te ajudar aqui estou...
- Você está falando daquele jeito de novo.
- Err.. Desculpe, é que você está me deixando confuso, Ana.
- Eu estou confusa!!
- Ana, querida, o fato é que, como você disse, eu sei que sua situação está preta e que você está farta disso. Por isso eu estou aqui. Para ajudar.
- Deixa ver se eu entendi... É como se fosse um pacto com o demo? Você ajuda um desesperado e leva a alma dele de presente?
- Lá vem você com essa estória de demo... Meu saco já está deveras cheio com esse boato! "O Mestre dos Magos era na verdade o capeta atrapalhando a vida daqueles moleques", ora mas que piada!! Algum maluco inventa uma estória doida e todo mundo já passa a acreditar... É triste, realmente o mundo dos mitos já não é mais como antigamente. Aposto que o Mestre Yoda nunca passou por isso! Mas que merda!!
- Mestre! Olha a boca!
- Desculpe, é que é mesmo difícil manter a credibilidade por tanto tempo.
- Manter a compostura já ajuda...
- Eu sei, Ana. Mas vamos voltar ao nosso assunto. A questão é que eu não sou o demo e não quero a sua alma. Vim aqui pra te ajudar, e ponto. Assim como existe o mal, também existe o bem, só que as pessoas parecem se esquecer disso. Não quero nada em troca, só vim te oferecer alguma ajuda, minha cara Ana. Isso se você quiser, é claro.
- Tá bom Mestre, desculpe minha suspeita... Se quiser me ajudar, obrigado... Já tô na merda mesmo...
- "Olha a boca", ela disse, "Mantenha a compostura"...
- Ah, Mestre, me poupe, eu não sou nenhum guru espiritual...
- Agora virei guru...
- Tá, tá, tá... Vamos acabar com essa enrolação. Afinal, se isso não é um pacto com o demo e se definitivamente você não é um gênio da lâmpada, como você pode me ajudar?
- Ora minha cara Ana Alice, devagar com o andor... Não existem respostas fáceis. Só prometo te ajudar a descobrir o caminho de volta pra casa...
- Mestre, você está confundindo as estórias de novo.
- Metáforas, Ana, não se esqueça que eu falo através de metáforas.
- Sei...
- Vou te ajudar a alcançar teus desejos, te fazer chegar até onde você quer. Aliás, aonde é que você quer chegar Ana?
De repente, após toda aquela situação maluca, Ana Alice ouviu aquilo e percebeu que realmente não fazia a menor idéia.
Quando o Mestre dos Magos pediu para ir ao banheiro, Ana Alice sentiu um baque estranho, como se estivesse caindo da cadeira. Parecia estar de volta à terra firme. Tinha se envolvido tanto naquela conversa, tudo havia fluído tão naturalmente que Ana passou um bom tempo sem se importar com toda a estranheza da situação. Mas quando o Mestre desceu da cadeira e rumou na direção do banheiro masculino, foi como se Ana viesse de novo à tona. Meu Deus o que era aquilo? Devia estar mesmo maluca. Não agüentou o tranco de ser largada de novo e surtou de vez. Uma hora aquilo ia acontecer, ela já sabia, e dessa vez os homens chegaram a sua vitória definitiva: iriam enviá-la direto ao hospício.
Tudo aquilo era definitivamente muito estranho. Mas, ainda mais estranho era o fato de que, por mais que Ana torcesse muito para acordar no seu quarto e perceber que tivera um terrível pesadelo, aquela conversa com o Mestre realmente fazia sentido. E Ana não conseguia parar de pensar sobre aquilo. Não, ela realmente não sabia aonde queria chegar com a sua vida. E o que parecia muito mais aterrorizante naquele momento, não tinha a menor idéia de qual deveria ser o seu próximo passo. Tinha deixado seus planos lá atrás, talvez no começo da faculdade, quem sabe. De lá pra cá foram tantas as adaptações, os atalhos, as redefinições, as concessões, que ela agora não sabia mais para onde estava indo. Logo ela que sempre fora tão determinada, tão cheia de sonhos, tão ambiciosa. O que a certa altura lhe parecia ser ideal - afinal tinha de ser flexível, nem sempre podia-se escolher tudo, plante agora para colher mais tarde - dava a impressão agora de que só servira para transformá-la nisso: uma mera cumpridora de rotinas e procedimentos. Merda. Via-se velha, acabada e acomodada aos 24 anos de idade.
Continuando o festival de bizarrices, Ana pensou nisso tudo e riu. Finalmente conseguia notar que seus problemas não se resumiam somente aos homens. Ela era muito mais complexa do que aqueles calhordas medíocres. Ferrada, mas muito mais complexa. Aquilo fez com que ela se sentisse bem. Aquele filho da puta convencido podia ter o rei na barriga, mas não, ele não era o grande criador dos problemas dela. PRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII.... Quem ele pensa que é? PRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII... Ela tinha muito bem a capacidade de se ferrar sozinha, não precisava dele. PRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII... Que porra de barulho era aquele??
Era o celular. Mergulhado dentro da bolsa dela. Bolsa que estava na cadeira oposta àquela em que Ana Alice divagava. Após alguns segundos, uma cadeira empurrada nas costas de um cliente e um copo derrubado no chão, Ana conseguiu pegar seu telefone. Já tinha parado de tocar, é lógico. Mas a tecnologia não falha e realmente tinha valido a pena pagar aqueles suados 5 reais por mês pelo identificador de chamadas. Tava lá o nome dele, em letras garrafais na telinha do celular. Filho da puta. Não, não era esse o nome dele, era Pedro, e Pedro ainda havia deixado um recado.
Recado que Ana não esperou 20 segundos para acessar: “Oi Aninha... Tudo bem contigo? Olha só, não deu pra eu ir hoje, desculpa aí... O pessoal passou lá em casa... tá rolando um swell esse fim, a gente vai fazer um bate-volta em Mareca... Olha só, tô de volta no domingo e meus... err, meus pais nem tão em casa... Passa lá pra gente... pra gente trocar uma idéia, tá? Olha só, te adoro viu? Beijão!”
Aquele “te adoro” e aquele “beijão” foram doces. Mas Ana não sabia se isso melhorava ou piorava tudo aquilo que ela tinha ouvido antes. Sabe aquele gostinho adocicado que tentam colocar no xarope pra tirar o gosto amargo? Pois é, não funciona... O pior de tudo é que aquele adoçante barato parecia ter roubado de Ana o direito de ter raiva. Não podia mais explodir, jogar aquela mesa pra longe, quebrar todo aquele bar e sumir. Ao invés disso, sentiu aquilo embrulhando seu estômago. Um gosto amargo na boca que a impedia de pensar direito ou formular qualquer opinião sobre o que acabara de ouvir. Foi aí então que o Mestre dos Magos apareceu novamente.
- Demorei, né? Desculpe, o banheiro estava cheio e ainda tive que usar o baldinho de lixo para alcançar o mictório... Ué... Está tudo bem, Ana?
- Não, não está tudo bem...
- Bom, tendo em vista que as coisas já não estavam bem quando eu saí...
- É, mas agora piorou... - e o gosto amargo na boca de Ana só tinha piorado mesmo.
- Podemos ver que eu não posso te deixar sozinha, não é mesmo? Você... Ei, o que é esse papelzinho branco aí na mesa??
- Papel branco, que papel...
Considerando que os guardanapos do lugar também eram brancos, Ana não estranhou nada ainda não ter notado aquele pedaço de papel deixado sobre a mesa, bem ao seu lado. Era um pedaço pequeno de papel sulfite, como que tirado de um bloco de anotações, e estava dobrado duas vezes. Ana pegou aquilo com cuidado e abriu lentamente. Era um bilhete.
- E então, como foi?
- Como foi o quê?
- Ora Ana, corta essa... Você conversou durante 15 minutos com o sujeito do bilhete, como foi?
Esse tal de Mestre dos Magos era mesmo um senhorzinho enxerido. Mas Ana acabou cedendo, era impossível resistir. Sentou-se na mesa novamente, pegou sua Smirnoff com soda (sim, desta vez ela já estava realmente bebendo vodka) e contou tudo pra ele. Contou que o sujeito do bilhete se chamava Fernando e que havia estudado com ela na faculdade. Não eram da mesma classe, mas tinham se formado juntos no mesmo ano. Contou que o Fernando estava ali com outras pessoas também da faculdade e que ela, ao se levantar e ir até a mesa deles cumprimentá-lo, havia se sentido um pouco constrangida pois aquelas pessoas não eram tão íntimas para ela se sentir bem ao revê-las, mas também não eram totalmente estranhas a ponto dela manter-se indiferente. Não ficara, no entanto, indiferente à conversa que tivera com ele. Engraçado, o Fernando... Nunca havia reparado nele durante a faculdade. Quer dizer, reparado tinha, mas era como se ela estivesse muito ocupada com outras coisas. Tinha o Daniel, depois vieram outros rolos e, há algum tempo, tinha o Pedro. O filho da puta do Pedro. Mas o Fernando passara, assim como passa um canal de TV a cabo que você percebe que tem algo interessante, segue em frente no zapping frenético e depois nunca mais consegue achar de novo. Uma vez tinham falado pra ela que ele estava a fim. Não deu bola, devia ser brincadeira, tinha mais o que fazer. Aquilo acabou passando. E agora ele estava ali de novo, não devendo significar nada de mais, mas, de alguma forma, significando alguma coisa.
- Mas então, e aí?
- Caramba, Mestre, não acabei de contar tudo pra você, tim-tim por tim-tim??
- Ana, sinceramente eu às vezes acho que você se confunde com minha estatura e me trata como criança... Vamos lá, Ana Alice! Você me contou como foi mas, e agora, como vai ser? Pintou alguma coisa?? Por favor, não me faça ser mais explícito...
- “Pintou alguma coisa”?? Pôxa mestre, não era você que deveria ser zen aqui? Já quer colocar minhoca na minha cabeça, me fazer ficar fazendo planos?? Caramba, o Fernando é só um amigo...
- Calma, Ana, me desculpe... Acho que me expressei mal...
- É, se expressou mesmo...
Pintou um silêncio durante alguns segundos. Nada que deixasse o Mestre muito encabulado, entretanto.
- Então, você vai ligar pro Pedro amanhã? - é, ela também tinha contado pra ele a respeito do recado deixado pelo filho da puta do Pedro no celular.
- Ai, Mestre, tô com a cabeça meio cheia agora sabe... Tô cheia desse negócio de ter que saber o que eu deveria fazer... Não aguento mais ter que ficar pensando, quebrando a cabeça pra decidir qual seria a melhor solução, qual seria o melhor jeito de agir...
- Ué, faz o que você quer, garota...
- Como é que é?
- Faz o que você quer, o que você tem vontade. Tem outro jeito de decidir?
- Ora, não seja inocente Mestre dos Magos, isso aqui não é a Terra do Nunca não...- Ana percebeu que estava misturando as estórias novamente e parou por ali mesmo.
- Não é inocência, Ana. É só muito simples: você coloca todas as variáveis no pote e tira dali a sua decisão. Tira dali o que você quer fazer. E não o que você deveria fazer. Você quer ligar pro Pedro amanhã?
- Tudo que eu menos quero fazer é falar com aquele filho da puta...
- Ué, então não liga.
- Mas e se... Você não entende Mestre, eu gosto de ficar com o Pedro, sabe...
- Ana...
- Tá, entendi.
Mais alguns segundos de silêncio. Ana pensou de novo naquela estória toda sobre não saber aonde queria chegar com sua vida. De certa forma, agora ela sabia que não queria ligar pro Pedro novamente. Não queria nem mesmo ver o Pedro outra vez. Bom, ela ia tentar pelo menos.
- E esse outro cara, o Fernando? - O Mestre era mesmo craque em quebrar silêncios constrangedores.
- O Fernando?? Ah, o Fernando é um cara legal...
- Legal, sei... Mas, mais alguma coisa?
- Como assim, "mais alguma coisa"?
- Bem, como diria, ele te desperta algum desejo sexual, alguma fantasia erótica?
- Mestre!! Olha o respeito, hein??
- Ahn, desculpe, acho que andei lendo um pouco de Nova demais...
- Sei... O Fernando era bastante meu amigo, a gente se divertiu muito durante a faculdade. Até pintou algum clima, mais da parte dele do que da minha... Mas já foi Mestre, águas passadas, leite derramado... O cara tá noutra, deixa ele se divertir sossegado...
Enquanto Ana dava um gole na sua vodka, o Mestre se inclinou um pouco pra poder olhar a mesa do Fernando.
- Ele não parece estar se divertindo muito no meio daqueles dois casais...
- Você acha?
- Aliás, ele tá olhando pra cá segundo sim segundo não...
- Mestre, será que...
- Olha Ana, quem deve decidir essas coisas é você.
- Caramba, você vem aqui bagunçar a minha noite e nem um conselhozinho eu vou levar dessa?
- Ana Alice, devagar na vodka que você já não está tão bem...
- Mas Mestre, por favor, você acha que eu devia ir lá falar com ele de novo?
- Devia não, Ana, você quer?
- Ai, putz, não sei... Até quero, mas não sei o que... Ou não sei como...
- Ana você está complicando demais as coisas... Você não vai decidir a sua vida inteira hoje, não se preocupe. Por outro lado, você podia ao menos começar a se guiar por aquilo que você realmente deseja fazer. Ana Alice, preste atenção: a felicidade não está no fim, está no caminho. Pouco a pouco, garota. E assim como a felicidade, Ana, o amor está no caminho, não no final.
- Ora viva! Aleluia!! Finalmente uma metáfora, hein Mestre?
- Consegui né, quase no final, mas consegui... Gostou??
- Meio breguinha, né?
- Hmpf... Entendeu?
- Mestre, suas metáforas não foram feitas pra serem entendidas...
O Mestre desceu da cadeira. Falou que ia ao banheiro novamente. Ficara um pouco enfezado, tadinho, mas Ana sabia que não tinha dito nada demais. Ela riu um pouco daquilo tudo e olhou pro seu copo, já quase vazio. Era verdade, já estava um pouco tontinha. Mas nada demais.
Olhou pro Fernando e seus olhares cruzaram-se rapidamente. Realmente ela não tinha nada a perder. Que problema haveria em reatar uma velha amizade e deixar as coisas rolarem? Estava sendo boba mesmo, complicando demais as coisas. Devia ser a vodka. Será que ela era sempre assim? Olhou pra ele de novo e agora foi inevitável: ele já estava olhando pra ela e sorriu. Ela sorriu de volta, meio sem jeito. Abaixou a cabeça um pouco e pensou que devia mesmo ir falar com ele, pedir o telefone, atualizar a agenda, coisa e tal. Quando olhou pra cima de novo, o Fernando já estava ali na sua frente.
- E então, Ana, suas amigas não vieram mesmo? - ela tinha inventado essa estória pra justificar estar ali.
- É, parece que não, né? - não quis ser irônica, aquilo saiu sem querer... Putz, que merda....
- É, né... Mas vem cá, vc não vai continuar aqui né? Você já está aqui sozinha há quase 1 hora, Ana... - estranhamente Fernando não tinha percebido a presença do Mestre dos Magos. Ainda bem, pensou Ana.
- Não tem problema não, Fê - ah, Fê... - acho que elas ainda vão vir...
- Eh, eh, Ana, acho que elas não vem mais não... Olha só, você não quer vir comigo, não? - O Fê falando aquilo pareceu meio paternal... Será que ela estava inspirando cuidados? - A gente tá indo pra Love... Se você decidir não ir, eu te deixo em casa no caminho... Vamos lá... Alegria, garota!!
Love, caminho, alegria... Ana não sabia direito mas aquelas palavras tinham alguma coisa a ver com a metáfora do Mestre. Aliás, onde estava o Mestre? Mas o Fê... O Fê até tinha lembrado que ela não dirigia, costumava pegar táxi e morava no Itaim. Aquilo tinha sido legal, né? Será que cabiam seis no carro? Ela ia... Definitivamente ela ia para a Love com eles...
- Eu vou.
- Legal... Vamos lá que o pessoal já está pegando o carro...
Ana ainda se lembrou de colocar quinze reais sobre a mesa. Olhou para os lados e procurou o Mestre dos Magos. Onde se metera aquele baixinho enxerido? Hesitou um pouco, até se sentir puxada pela mão do Fernando. Ele a levou até a porta do All Black e ambos ficaram esperando o carro. Os amigos tinham ido buscar o carro na rua de cima, manobrista ali era muito caro, explicou ele. Não disseram mais nada um pro outro, apenas se olharam uma vez e trocaram um sorriso.
O Gol verde parou na esquina, do outro lado da rua. O amigo do Fernando que estava sentado no banco da frente abriu a porta e desceu do carro. Fernando pegou Ana pela mão e atravessou a rua com ela. No meio do caminho, porém, alguém surgiu do meio da penumbra da esquina e caminhou em direção aos dois. Era uma loira enorme, quase 1,80 de altura, metida num modelito azul-turquesa minúsculo. Abordou Fernando quase ao lado do carro.
- Ora, seu... seu... seu cafajeste!! - sendo que a penúltima sílaba daquela ofensa fora devidamente acompanhada de um sonoro bofetão no rosto de Fernando.
Fernando ficou atônito. Boquiaberto, literalmente. A loira fez aquilo, soltou um suspiro de desdém e se retirou solenemente. Fernando procurou por Ana e tentou dizer alguma coisa, ainda totalmente perdido.
- Você... você vem?
- Deixa Fê, deixa... Vou ficar bem... Um dia eu ligo pra você...
- Não... Eu ligo, tá... Pode deixa que eu ligo...
Fernando entrou no carro, tropeçou e caiu no banco traseiro. O amigo dele parecia estar mais perdido que ele. Entrou no carro também e o Gol partiu rapidamente.
Ana Alice atravessou a rua novamente e chamou o manobrista.
- Pode chamar um táxi pra mim, por favor?
***
Alguns minutos mais tarde, há algumas dezenas de metros dali, Mestre dos Magos descia lentamente a Rua Augusta em direção à Rua Estados Unidos. Poucos metros depois, uma loira muito alta juntou-se a ele, caminhando ao seu lado. O Mestre não parecia estar muito contente.
- Mas será possível!! Por todos os Deuses!! Não posso deixar vocês um minuto sozinhos que já querem aprontar por outras bandas!! Já falei que é muito sério esse negócio de meter o bedelho em outros universos, não falei?
A loira continuou calada, impassível.
- Ah, mas você pode esperar, ah pode... Vai levar umas boas palmadas... Novos truques, metamorfose ilusória, hmpf... Mas que unicórnio mais serelepe... Boas palmadas, entendeu Uni??